A DELAÇÃO DE DELCÍDIOREVELAÇÕES DO SENADOR À FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO, OBTIDAS POR ISTOÉ, COMPLICAM DE VEZ A SITUAÇÃO DA PRESIDENTE DILMA E COMPROMETEM LULA
Débora
Bergamasco, de Curitiba
Pouco
antes de deixar a prisão, no dia 19 de fevereiro, o senador Delcídio do Amaral
(PT-MS) fez um acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato.
ISTOÉ teve acesso às revelações feitas pelo senador. Ocupam cerca de 400
páginas e formam o mais explosivo relato até agora revelado sobre o maior esquema
de corrupção no Brasil – e outros escândalos que abalaram a República, como o
mensalão.
Com
extraordinária riqueza de detalhes, o senador descreveu a ação decisiva da
presidente Dilma Rousseff para manter na estatal os diretores comprometidos com
o esquema do Petrolão e demonstrou que, do Palácio do Planalto, a presidente
usou seu poder para evitar a punição de corruptos e corruptores, nomeando para
o Superior Tribunal de Justiça (STJ) um ministro que se comprometeu a votar
pela soltura de empreiteiros já denunciados pela Lava Jato.
O senador
Delcídio também afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha
pleno conhecimento do propinoduto instalado na Petrobras e agiu direta e
pessoalmente para barrar as investigações - inclusive sendo o mandante do
pagamento de dinheiro para tentar comprar o silêncio de testemunhas. O relato
de Delcídio é devastador e complica de vez Dilma e Lula, pois trata-se de uma
narrativa de quem não só testemunhou e esteve presente nas reuniões em que
decisões nada republicanas foram tomadas, como participou ativamente de
ilegalidades ali combinadas –a mando de Dilma e Lula, segundo ele.
Nos
próximos dias, o ministro Teori Zavascki decidirá se homologa ou não a delação.
O acordo só não foi sacramentado até agora por conta de uma cláusula de
confidencialidade de seis meses exigida por Delcídio. Apesar de avalizada por
procuradores da Lava Jato, a condição imposta pelo petista não foi aceita por
Zavascki, que devolveu o processo à Procuradoria-Geral da República e concedeu
um prazo até a próxima semana para exclusão da exigência. Para o senador, os
seis meses eram o tempo necessário para ele conseguir escapar de um processo de
cassação no Conselho de Ética do Senado. Agora, seus planos parecem
comprometidos.
As preocupações
de Delcídio fazem sentido. Sobretudo porque suas revelações implicaram colegas
de Senado, deputados, até da oposição, e têm potencial para apressar o processo
de impeachment de Dilma no Congresso. O que ele revelou sobre a presidente é
gravíssimo. Segundo Delcídio, Dilma tentou por três ocasiões interferir na Lava
Jato, com a ajuda do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “É
indiscutível e inegável a movimentação sistemática do ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo e da própria presidente Dilma Rousseff no sentido de promover a
soltura de réus presos na operação”, afirmou Delcídio na delação.
A
terceira investida da presidente contou com o envolvimento pessoal do senador
petista. No primeiro anexo da delação, Delcídio disse que, diante do fracasso
das duas manobras anteriores, uma das quais a famosa reunião em Portugal com o
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, “a solução” passava pela nomeação do
desembargador Marcelo Navarro para o STJ. “Tal nomeação seria relevante para o
governo”, pois o nomeado cuidaria dos “habeas corpus e recursos da Lava Jato no
STJ”. Na semana da definição da estratégia, Delcídio contou que esteve com
Dilma no Palácio da Alvorada para uma conversa privada.
Os dois
conversavam enquanto caminhavam pelos jardins do Alvorada, quando Dilma
solicitou que Delcídio, na condição de líder do governo, “conversasse como o
desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de
soltura de Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo”, da Andrade Gutierrez.
Conforme acertado com a presidente, Delcídio se encontrou com Navarro “no
próprio Palácio do Planalto, no andar térreo, em uma pequena sala de espera”, o
que, segundo o senador, pode ser atestado pelas câmeras de segurança. Na
reunião, de acordo com Delcídio, Navarro “ratificou seu compromisso, alegando
inclusive que o dr. Falcão (presidente do STJ, Francisco Falcão) já o havia
alertado sobre o assunto”.
O acerto
foi cumprido à risca. Em recente julgamento dos habeas corpus impetrados no
STJ, Navarro, na condição de relator, votou pela soltura dos dois executivos. O
problema, para o governo, é que o relator foi voto vencido. No placar: 4x1 pela
manutenção da prisão.
A ação de
uma presidente da República no sentido de nomear de um ministro para um
tribunal superior em troca do seu compromisso de votar pela soltura de presos
envolvidos num esquema de corrupção é inacreditável pela ousadia e presunção da
impunidade. E joga por terra todo seu discurso de “liberdade de atuação da Lava
Jato”, repetido como um mantra na campanha eleitoral.
Só essa
atitude tem potencial para ensejar um novo processo de impeachment contra ela
por crime de responsabilidade.
Segundo
juristas ouvidos por ISTOÉ, a lei 1.079 que define os crimes de
responsabilidade diz no artigo nono, itens 6 e 7, que atenta contra a probidade
administrativa – e é passível de perda de mandato – usar de suborno ou qualquer
outra forma de corrupção para levar um funcionário público a proceder
ilegalmente ou agir de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro.
O que também poderá trazer problemas para Dilma é o trecho da delação de
Delcídio a respeito da compra da refinaria de Pasadena, no Texas, considerada
um dos negócios mais desastrosos da Petrobras e que foi firmado em 2006 com um
superfaturamento de US$ 792 milhões, quando Dilma presidia o Conselho de
Administração da estatal.
A versão
da presidente era de que ela e os conselheiros do colegiado não tinham
conhecimento de cláusulas desfavoráveis a Petrobras, mas Delcídio no anexo 17
da delação é taxativo: “Dilma tinha pleno conhecimento de todo o processo de
aquisição da refinaria”. “A aquisição foi feita com conhecimento de todos. Sem
exceção”, reforçou o senador. Não seria a primeira vez que Delcídio desmentiria
Dilma na delação. No anexo 03, o senador garante que ela teve participação
efetiva na nomeação de Nestor Cerveró para a diretoria da BR Distribuidora,
contrariando o que ela havia afirmado anteriormente.
No relato
aos procuradores, Delcídio disse que “tem conhecimento desta ingerência (de
Dilma), tendo em vista que, no dia da aprovação pelo Conselho, estava na Bahia
e recebeu ligações de Dilma”. Ex-diretor internacional da Petrobras, Cerveró
foi preso em janeiro de 2015, acusado de receber propina em contratos da
estatal com empreiteiras. Até então, a indicação de Cerveró era atribuída a
Lula e José Eduardo Dutra, ex-presidente da BR Distribuidora, falecido no ano
passado. Mas segundo Delcídio, a atuação de Dilma foi “decisiva”. A presidente
ligou para ele duas vezes.
Teor explosivo: Depoimento prestado no STF por
Delcídio do Amaral (PT-MS) aguarda a homologação.
Na parte inferior, o termo de acordo e os principais tópicos da delação
Na parte inferior, o termo de acordo e os principais tópicos da delação
Na
primeira, a presidente telefonou “perguntando se o Nestor já havia sido
convidado para ocupar a diretoria financeira da BR Distribuidora”. “Depois,
ligou novamente, confirmando a nomeação de Nestor para o referido cargo”, o que
se concretizou no dia 3 de março de 2008. Cerveró foi o pivô da prisão de
Delcídio. Em 25 de novembro do ano passado, pela primeira vez desde 1985, o
Supremo mandava prender um senador no exercício do mandato. Um dos motivos
apontados pelo ministro Teori Zavascki foi a oferta de uma mesada de R$ 50 mil
para que Cerveró não celebrasse um acordo de delação premiada.
Na
delação, Delcídio não só forneceu detalhes do pagamento como fez uma revelação
bombástica: disse que o mandante dos pagamentos à família Cerveró foi o
ex-presidente Lula. O senador petista trata do tema no anexo 02 da delação.
Segundo Delcídio, Lula pediu “expressamente” para que ele ajudasse o amigo e
pecuarista José Carlos Bumlai, porque ele estaria implicado nas delações de
Fernando Baiano e Nestor Cerveró. Bumlai, segundo o senador, gozava de “total
intimidade” e exercia o papel de “consigliere” da família Lula – expressão
usada pela máfia italiana e consagrada no filme “O Poderoso Chefão” para
designar o conselheiro que detinha uma posição de liderança e representava o
chefe em reuniões importantes.
A
transcrição da delação pelos procuradores diz no que consistia a ajuda exigida
por Lula a Bumlai: “No caso, Delcídio intermediaria o pagamento de valores à
família de Cerveró”. Na conversa com o ex-presidente, de acordo com outro
trecho da delação, Delcídio diz que “aceitou intermediar a operação”, mas lhe
explicou que “com José Carlos Bumlai seria difícil falar, mas que conversaria
com o filho, Maurício Bumlai, com quem mantinha boa relação”. O acerto foi
sacramentado. Depois de receber a quantia de Maurício Bumlai, a primeira
remessa de R$ 50 mil foi entregue em mãos pelo próprio Delcídio ao advogado de
Cerveró, Edson Ribeiro, também preso pela Lava Jato.
Os
repasses de dinheiro se repetiram em outras oportunidades, de acordo com
Delcídio, por meio do assessor Diogo Ferreira. O total recebido foi de R$ 250
mil. Para os procuradores que tomaram o depoimento de Delcídio, a revelação é
de extrema gravidade e pode justificar a prisão do ex-presidente Lula.
Integrantes da Lava Jato elaboram o seguinte raciocínio: se o que embasou a
detenção de Delcídio, preventivamente, foi a tentativa do senador de obstruir
as investigações, atestada pela descoberta do pagamento a Cerveró, o mesmo se
aplicaria a Lula, o mandante de toda a artimanha.
Não seria
a primeira vez que, durante a delação aos integrantes da Lava Jato, Delcídio
envolveria Lula na compra do silêncio de testemunhas. De acordo com o senador,
Lula e o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, Antonio Palocci, em meados de
2006, articularam o pagamento a Marcos Valério para que ele se calasse sobre o
mensalão. O dinheiro, um total de R$ 220 milhões destinados a sanar uma dívida,
segundo Delcídio, foi prometido por Paulo Okamotto. Aos procuradores, o senador
relatou uma conversa com Lula em que ele o alerta: “Acabei de sair do gabinete
daquele que o senhor enviou a Belo Horizonte (Okamotto). Corra, Presidente,
senão as coisas ficarão piores do que já estão”.
Na
sequência, Palocci ligou para Delcídio dizendo que o Lula estava “injuriado” em
razão do teor da conversa, mas que ele (Palocci), a partir daquele momento,
“estaria assumindo a responsabilidade pelo pagamento da dívida”. Valério, de
acordo com o senador petista, não recebeu a quantia integral pretendida. De
todo o modo, diz o trecho da delação, “a história mostrou a contrapartida:
Marcos Valério silenciou”. Ainda sobre o mensalão, Delcídio – ex-presidente da
CPI dos Correios – disse ter testemunhado na madrugada do dia 5 de abril de
2006 as “tratativas ilícitas para retirada do relatório (final da CPI) dos
nomes de Lula e do filho Fábio Luís Lula da Silva em um acordão com a
oposição”. Assim, segundo o anexo 21 da delação, Lula se salvou do
impeachment.
IMPLICAÇÕES: JUIZ SÉRGIO MORO
GANHA NOVOS ELEMENTOS CONTRA LULA
O senador
ainda lembrou aos procuradores uma frase do ex-ministro José Dirceu: “Pode
checar quem ia à Granja do Torto aos domingos. Te garanto que não era eu”. Sem
dúvida, afirmou Delcídio, tratava-se de uma referência a Delúbio Soares e
Marcos Valério. Hoje, de acordo com Delcídio, um dos temas que “mais aflige” o
ex-presidente Lula é a CPI do Carf. O colegiado apura a compra de MPs durante o
governo do petista para favorecer montadoras e o envolvimento do seu filho,
Luis Claudio, no esquema. Segundo o senador petista, “por várias vezes Lula
solicitou a ele que agisse para evitar a convocação do casal Mauro Marcondes e
Cristina Mautoni para depor”.
O
consultor Mauro Marcondes, amigo de Lula desde os tempos do ABC, e sua mulher
foram presos na Operação Zelotes, da PF, acusado de intermediar a compra de
MPs. Documentos integrantes da Operação mostram que a LFT, uma empresa de
marketing esportivo pertencente a Luis Claudio Lula da Silva, recebeu R$ 1,5
milhão na mesma época em que lobistas foram remunerados por empresas
interessadas na renovação da medida provisória. Afirmou Delcídio aos
procuradores da Lava Jato: “Lula estava preocupado com as implicações à sua
própria família, especialmente os filhos Fábio Luís e Luis Cláudio”, fato
confirmado a ele por Maurício Bumlai.
Outra
CPI, desta vez a dos Bingos (encerrada em 2006), segundo Delcídio, teria agido
para proteger a presidente Dilma. ]
A
declaração vem no bojo de uma revelação que compromete a campanha da presidente
em 2010.
No anexo
29 da delação, o senador petista afirmou que “uma das maiores operações de
caixa 2 para a campanha de Dilma em 2010 foi feita através do empresário Adir
Assad”, condenado no fim de 2015 por ser um dos operadores do esquema do
Petrolão.
“Orientados
pelo tesoureiro de campanha de Dilma, José Di Filippi, os empresários faziam
contratos de serviços com as empresas de Assad, que repassava recursos para as
campanhas eleitorais”. De acordo com Delcídio, o encerramento prematuro e sem
relatório final da CPI dos Bingos deveu-se exclusivamente a esse fato. “Quando
o governo percebeu que as várias quebras de sigilo levariam à campanha Dilma
2010, determinaram o encerramento dos trabalhos”, afirmou. Parte dos
depoimentos de Delcídio foi tomado dentro do próprio Supremo Tribunal
Federal.
Segundo
informou à ISTOÉ um dos procuradores responsáveis pelo acordo de delação, para
que Delcídio conseguisse deixar a carceragem, em Brasília, sem ser notado, foi
montada uma verdadeira operação de guerra envolvendo dezenas de policiais.
Desde o início das tratativas a preocupação maior de Delcídio foi justamente
com o vazamento prematuro do acordo. Por isso, as insistentes negativas de seus
advogados. Até livrar sua pele no Senado, ele preferia o sigilo. Com o novo cenário,
de altíssima octanagem, Brasília estremece. Pior para Delcídio. Melhor para os
fatos.
DILMA INTERFERIU NA LAVA JATO
No anexo
01 da delação, o senador Delcídio do Amaral revela que em três ocasiões a
presidente Dilma Rousseff, no exercício do mandato, e o ex-ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, tentaram interferir na Lava Jato. Nomeação do ministro
Marcelo Navarro para o STJ fez parte de acordo para soltura de executivos
presos.
“1 – A PRIMEIRA INVESTIDA DO PLANALTO
A
despeito dos discursos do governo com relação à sua isenção nos rumos da
operação Lava jato, é indiscutível e inegável a movimentação sistemática do
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da própria presidente Dilma
Rousseff no sentido de tentar promover a soltura de réus presos no curso da
referida operação. Faz parte dessa articulação o advogado Sigmaringa Seixas,
figura influente quando se trata, no governo, de indicações para os tribunais
superiores. Nas conversas com José Eduardo Cardozo, Dilma se refere a Sigmaringa
como ‘the old man’.
A
primeira investida do Planalto para tentar alterar os rumos da Lava Jato salta
aos olhos pela ousadia: o encontro realizado em 07/07/2015 (18 dias após a
prisão de Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo) entre Dilma, José Eduardo e o
presidente do STF, Ricardo Levandowski, numa escala em Porto (Portugal) para
supostamente falar sobre o reajuste de verbas do Poder Judiciário. A razão
apontada pela Presidência é absolutamente injustificável... ...A razão
principal do encontro, em verdade, foi a mudança nos rumos da Lava Jato.
Contudo, a reunião foi uma fracasso, em função do posicionamento retilíneo do
ministro Lavandowski, ao afirmar que não se envolveria.
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