PIZZOLATO
DESEMBARCA EM SÃO PAULO E SEGUIRÁ PARA PRISÃO EM BRASÍLIA
Ele saiu
do Brasil com um passaporte falso, uma identidade roubada e, acima de tudo, sem
ser notado ao fazer um trajeto por vários países para chegar até seu suposto
refúgio, na Itália. Mas o passageiro do lugar 40 A do vôo entre Milão e São
Paulo retornou nesta manhã ao País reconhecido por praticamente todos os demais
passageiros do avião, sob escolta policial e como símbolo de uma fuga
espetacular que acabou fracassando. Vaiado ao desembarcar, Henrique Pizzolato
chegou em Guarulhos (SP) às 6h14 desta sexta-feira, 23, e neste mesmo dia
seguirá para o Complexo Penitenciário da Papuda em Brasília.
O
ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil e condenado a 12 anos e sete meses
de prisão no caso do mensalão protagonizou uma batalha jurídica de 20 meses
desde sua captura em Maranello, na casa de um sobrinho.
Às 11
horas e 30 minutos de vôo entre a Itália e o Brasil foram o desfecho de uma
novela que começou com a certeza de que a Itália jamais extraditaria um de seus
cidadãos. Mas a cooperação bilateral e a disposição de Roma em mostrar que não
iria acolher condenados abriu um novo capítulo entre os dois países.
Fornecido
por Estadão Pizzolato foi extraditado 20 meses depois de ter sido preso na
Itália
Pizzolato
foi o primeiro a entrar no avião, na noite de ontem, sendo locado no último
lugar, ao lado do banheiro. Ao seu lado, um agente da PF. Nos dois bancos da
frente, mais um agente e uma médica. Do outro lado do corredor, mais um
delegado.
Ele não
precisou fazer o check-in e nem passou pelo controle de passaportes. Sua mala
foi despachada junto com a dos delegados que conduziram a operação.
A
blindagem foi organizada para que nenhuma situação de crise pudesse ser gerada.
No avião, dez assentos tiveram suas poltronas retiradas ao lado do brasileiro,
criando uma espécie de escudo contra qualquer um que tentasse sentar perto. A
reportagem do Estado e a de uma televisão brasileiras - os dois únicos veículos
de comunicação dentro do avião - tiveram seus locais modificados por ordens da
PF para justamente viajar distante de Pizzolato.
A
justificativa para afastar a imprensa era de que a situação poderia gerar
riscos para a segurança de um vôo.
Pizzolato
também adotou sua própria maneira de ser evitado. Ao se instalar em seu lugar,
rapidamente colocou um fone de ouvido na cabeça e tentava se esconder atrás da
poltrona. Durante a viagem, ainda girava o rosto para a janela para não ser
fotografado.
Enquanto
os demais passageiros entravam, os comentários eram direcionados ao condenado.
"Onde ele está? Ele entrou mesmo?", dizia uma senhora, enquanto as
aeromoças tentavam fazer as pessoas se sentarem para o avião decolar. Alguns
estrangeiros perguntavam o motivo de tanto interesse.
Quem não
sabia da coincidência de viajar ao lado de um "mensaleiro" se surpreendia.
"Pizzolato está aqui?", comentou uma mulher. Antes do embarque,
alguns passageiros se mostraram irritados com a presença do ex-diretor do BB e
ensaiavam um protesto.
Mas,
dentro do avião, o clima foi de tranquilidade. Uma das poucas reações foi uma
salva de aplausos aos agentes da PF que, durante o vôo, ainda eram
cumprimentados pelos passageiros.
Pizzolato
aceitou o jantar que lhe foi oferecido. Optou por frango com arroz. Mas deixou
metade da comida no prato. O brasileiro evitou bebidas alcoólicas e ficou
apenas com um suco de maçã.
Conversou
muito pouco com o agente que lhe acompanhava e não tomou nenhum remédio para
ajudar a dormir. Consultava revistas que foram oferecidas e, quase seis horas
depois da decolagem e, em pleno mar Atlântico, Pizzolato continuava acordado.
Olhava pela janela com insistência, acendia e apagava sua luz individual,
enquanto o restante do avião permanecia em um silêncio e escuro quase total.
Pizzolato
não usou algemas durante o vôo e nem no aeroporto de Milão quando foi
transferido da custódia dos italianos ao Brasil. Em seu lugar, assistiu a um
filme, com cenas de luta em um ringue. Mais tarde, escolheria um outro filme, o
Calvário. O filme conta como um padre se depara com um membro misterioso de sua
paróquia. Pela seleção proposta pela TAM, poderia ainda ter escolhido O
Fugitivo, com Harrison Ford, ou mesmo Agarre-me se Puder, com Leonardo Di
Caprio. Mas não o fez.
A cada
tentativa da reportagem do Estado em se aproximar, Pizzolato olhava de forma
desconfiada. Ele não abria a boca enquanto a impresa se aproximava. Quem o
sempre questionava era a médica, levada do Brasil para garantir a
"integridade" do prisioneiro. Ainda em Milão, um exame médico foi
realizado e se constatou que Pizzolato não sofria de qualquer problema.
Foi
justamente a médica que o acompanhava que o ajudou a encontrar uma posição para
dormir, colocando um cobertor dobrado entre ele e a parede do avião. Foi apenas
sete horas depois da decolagem que o prisioneiro finalmente pegou no sono.
Bíblia -
Faltando duas horas para o pouso, Pizzolato acordaria para o café da manhã e
ele receberia uma vez mais a atenção médica. Ele teve sua pressão colhida e a
profissional levada pela PF o questionou como ele se sentia.
Evitando
se levantar e até mesmo ir ao banheiro, o brasileiro passou as últimas horas do
vôo lendo uma Bíblia, visivelmente repleta de marcações. Na prisão, ele acabou
se aproximando de um padre que o visitava e, em um encontro numa igreja, chegou
a dizer que Deus havia sido seu advogado.
Mais gordo
que há 20 meses, Pizzolato não escondia o abatimento. Mesmo assim, manteve a
calma. Naiá, uma das comissárias de bordo, dizia estar "surpreendida"
com a tranquilidade do brasileiro. "Eu também fiz o voo de Cacciola e ali
foi bem diferente", contou.
Num gesto
que chegou a comover a médica, Pizzolato fez com folhas de guardanapos uma flor
e a entregou antes do pouso.
Pizzolato,
ainda em um esquema especial, foi retirado do avião pela porta traseira. Assim,
não cruzaria com os demais passageiros e evitaria as alas públicas do
aeroporto. De São Paulo, ele será levado ainda nesta sexta-feira em um jato da
PF para Brasília e cumprirá pena de prisão no complexo da Papuda.
Essa era
a terceira vez que a PF se organiza para buscar o brasileiro. Pizzolato deveria
ter sido extraditado no dia 7 de outubro. Mas, pressionado politicamente pela
base de seu partido, o ministro da Justiça italiano, Andrea Orlando, adiou a
volta do mensaleiro ao País. A mudança na programação ocorreu no dia 6, na
mesma data que a Corte Europeia de Direitos Humanos na França negou o último
recurso apresentado pela defesa de Pizzolato.
Desde
fevereiro de 2014, quando foi preso, Pizzolato se encontrava na penitenciária
Sant'Anna, de Modena, aguardando uma definição sobre seu caso. Neste período,
oito decisões judiciais e políticas foram tomadas.
Mas o
suspense sobre a viagem perdurou até o fim. Uma peça do jato da TAM teve um
problema e teria de ser trocado. O voo apenas foi mantido por que o aeroporto
contava com um serviço da Lufthansa de fornecimento de peças. Com uma hora e
meia de atraso, o voo decolou.
Custo -
Quantos aos valores do resgate do condenado, as autoridades brasileiras admitem
que ainda não conhecem os custos. O Ministério Público Federal indica que
gastou R$ 140 mil no processo judicial na Itália, com a contratação de
advogados e a tradução dos documentos oficiais do processo. Mas ainda falta
estimar os valores gastos pela AGU e pela própria Polícia Federal, que só em
passagens gastou mais de R$ 70 mil nas duas viagens que fez até a Itália e que
não resultou na extradição do brasileiro.
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